quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Fora de campo – Elysium

Coordenador: profº Henrique Fernandes Alves Neto

Matéria eficiente
Diretor: Neill Blomkamp (um dos principais diretores africanos).
Diretor de fotografia: Trent Opaloch.
A dupla acima trabalhou juntos em outras obras: District 9 (2009) e Chappie (2015)
Nacionalidade da obra: Norte americano.
Produtora: TriStar Pictures.
Distribuidora: Sony Pictures Entertainment.
Ano de lançamento: 2013

Formas e modelos
Todos os filmes que o Blomkamp dirigi e escreve retrata um pouco da realidade de Joanesburgo. A tentativa dele é de apresentar as condições de vida da população sul-africana. Mesmo após anos do fim do apartheid, ainda conseguimos perceber traços e desdobramentos desta política racista e segregadora. Como é um sci-fi, temos muitas cenas produzidas em CG, porém as imagens, tanto de Elysium, quanto da Terra, algumas são reais: foram filmadas em zonas pobres do México e em lugares do Canadá. O nome do filme se refere a ideia de Campos Elísios dos gregos, um local onde não havia fome, desgraça, guerra, doença; apenas as pessoas de virtude poderiam frequentar este local.

Valor heurístico
Diferente do outro texto postado aqui, optamos por criar um possível roteiro de discussão em torno do filme. Servirá tanto aos docentes que buscam por alguma inspiração, quanto a qualquer leitor que procura um fio condutor nas possíveis ideias suscitadas pelo filme.
  • Os principais temas da obra são: segregação, racismo, xenofobia, etnocentrismo; crise ecológica; expansão e desenvolvimento do modo de produção capitalista. A partir destes temas é possível problematizarmos sociologicamente.
  • A Antropologia, área das Ciências Sociais que reflete sobre os modos de vida do ser humano ao longo da História, compreende que todos os grupos de seres humanos pensam em uma relação binária: nós X eles. Qualquer ser humano irá perceber o outro diferente dele e isso é mais identificável quando grupos de pessoas estão em contato. São diversos exemplos possíveis: torcidas de times de futebol; religiões; regiões do país; gostos musicais, e assim por diante. Sempre que há um encontro com aquele que possui características distintas, o par de oposição “nós/eles” surge. Assim que se dá o contato, o primeiro sentimento é o chamado etnocentrismo. Etnocentrismo é considerar visão de mundo de um grupo superior a de outros grupos, fazendo com que todas as outras visões fossem inferiores àquela tomada como referência. Quando há o contato com o outro, julgo-o a partir da minha visão de mundo, ou melhor, a partir da minha cultura.
  • O etnocentrismo pautava as discussões da Antropologia, pois a mesma acreditava que a “cultura europeia” era sinônimo de civilização e, portanto, todos aqueles que não seguem os padrões culturais europeus, são inferiores. Chamamos essa fase da Antropologia de evolucionista. É Com Franz Boas, no século XIX, que a noção de cultura deixa de ser sinônima de civilização e passa a ser um “espírito do povo”, portanto, existem várias culturas.
  • O etnocentrismo é a base da segregação: a exclusão do outro; também do racismo: a necessidade de eliminação do outro; e dá xenofobia: aversão ao que vem de fora, do estrangeiro.
  • É aqui que entra a conexão com os fatos atuais. Vocês acompanharam o drama dos refugiados.
    • Fugindo de conflitos locais e de péssimas condições de vida, várias pessoas lutam para conseguir sair de seus países e tentar a vida em outros. Temos uma imigração e, quase, uma diáspora (que foi o que ocorreu com os judeus).
    • O que nós temos a ver com isso? A globalização é um processo intrigante: ao mesmo tempo que elimina distâncias e tempo, o faz somente para mercadorias. Quero dizer que estes mesmos países que estão barrando a entrada de pessoas, liberam os produtos ou matérias-primas retiradas de lá.
      • É chegado o momento de distribuir os malefícios deste modo de produção.
  • A globalização, quando reduz, faz com que tanto as ações globais tenham efeitos locais, como as locais tenham efeitos globais. É isso que percebemos neste fenômeno recente dos refugiados.
  • A migração é uma característica humana. Sempre migramos. Isto se torna um problema quando os fatores que impulsionam a necessidade de migrar de seus países é um problema global.           
  • Qual problema é esse?
    • A expansão, a reestruturação, o desenvolvimento do modo de produção capitalista.
      • Sobreacumulação: deslocamento de capital.
    • Quais as consequências?
      • Um novo tipo de escravidão; conflitos armados; devemos pensar em uma superação deste modo de produção!


Autores das Ciências Sociais que poderiam ser utilizados para sustentar essa discussão: Ulrich Beck e a ideia de sociedade de risco; Anthony Giddens com a discussão das consequências da modernidade; David Harvey e o conceito de sobreacumulação. É possível resgatarmos as ideias de Slavoj Zizek – fazendo uma leitura crítica do modo de produção capitalista.

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Fora de campo – Frequencies (OXV: The Manual)

Coordenador: profº Henrique Fernandes Alves Neto
Colaboradores: Eduarda Papst; Fernanda Inácio; Gabriela Stresser; Karine Razalkiewicz; Maria Eduarda Huida; Osmar Fabiano de Souza Filho; Paulo Arthur Hilário.

Matéria eficiente
Diretor, roteirista e produtor: Darren Paul Fisher. Este é o terceiro filme que ele dirigiu, sendo os outros dois: Inbetweeners (2001) e Popcorn (2007).
Diretor de Fotografia: James Watson.
Nacionalidade da obra: Britânico; inglês.
Produtora: Incurably Curious Productions.
Distribuidora: FilmBuff.
Ano de lançamento: 2013.

Formas e modelos
Darren Fisher pega carona na onda sci fi distópico e cria um enredo bem conhecido da década de 2010: amores impossíveis em uma sociedade controlada com regras explícitas, onde cada um sabe o seu lugar. Temos vários exemplos deste tipo de história: Jogos Vorazes, Divergente, Doador de Memórias, Mundos Opostos, e assim por diante. Outra técnica utilizada no filme é o chamado “efeito Rashomon”, que consiste em apresentar várias versões de uma única “verdade”. Frenquecies é um exemplo disso vide a estrutura do mesmo, dividido em cinco partes, sendo três delas intituladas com os nomes das personagens. As partes são: Marie, Zak, Maria+Zak, OXV, Theodore.

Valor heurístico
Partindo do pressuposto de Clifford Geertz, consideramos as obras cinematográficas como textos que podem ser lidos em diferentes contextos. Isso significa que podemos atribuir diversos significados a um texto quando tentamos traduzi-los para o nosso universo simbólico. Sendo assim, o filme em questão pode ser interpretado a partir de 4 inteletcuais: Durkheim, Bourdieu, Sartre e Nietzsche. Vamos as interpretações.
É possível, com o filme Frequencies, fazermos algumas relações com o pensamento de Émile Durkheim e sua teoria dos fatos sociais. O que são os fatos sociais? Para Durkheim, a Sociologia – uma ciência nova - deveria ter um objeto específico de estudo, um objeto que não fosse estudado por nenhuma outra área do conhecimento. A sua intenção era compreender como as relações entre os seres humanos acontecia, ou melhor, para explicar a vida em sociedade. Neste ínterim, desenvolveu os fatos sociais para tal. Podemos defini-los da seguinte forma:

Toda maneira de agir, fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou ainda, que é geral na extensão de uma sociedade dada, apresentando uma existência própria, independente das manifestações individuais que possa ter. (DURKHEIM apud QUINTANEIRO, 2009, p. 68)

Uma outra possível definição é: “as maneiras de agir, de pensar e de sentir exteriores ao indivíduo, dotadas de um poder de coerção em virtude do qual se lhe impõe.” (DURKHEIM apud QUINTANEIRO, 2009, p. 68) Em ambas as definições, podemos encontrar três características principais dos fatos sociais: geral, exterior e coercitivo.
Como exemplo de geral, podemos lembrar da cena que se passa na escola, na qual os alunos realizam uma avaliação da sua frequência; ao fim desta, cada aluno recebe o seu resultado que definirá a sua posição social e existencial. Ao que parece, todos os seres humanos dessa sociedade foram submetidos a este teste, o que demonstra a extensão desse fato social. Um detalhe importante: o teste é realizado na escola que, para Durkheim, tem um papel fundamental na socialização do indivíduo.
Já a característica exterior pode ser percebida na personagem de Theodore que, durante todo o filme, busca por um código que governa todas as coisas do universo; sendo assim, nada ocorre por uma vontade individual, mas sim de acordo com este princípio geral. O próprio Theodore diz: “Mas não estou interessado em destinos individuais. O que estou interessado é na sinfonia... universal”.
Por último, o sentido coercitivo acompanha toda a obra cinematográfica, notado quando as personagens Marie e Zak tentam se aproximar e permanecem mais de um minuto juntos: malas caem, o tempo muda, ele desmaia, uma sala pega fogo, ou seja, fenômenos estranhos ocorrem. Essa “força repelente” só acontece quando seres humanos de frequências muito díspares insistem ficar no mesmo espaço/tempo.
É possível também interpretarmos algumas cenas de Frequencies à luz da teoria de Pierre Bourdieu. Principalmente o conceito de habitus poderá nos ajudar nesta relação. Segundo Bourdieu todos os indivíduos – que ele chamará de agentes – incorporam possuem um habitus adquirido socialmente. Mas, o que é o habitus? São “maneiras de ser permanentes, duráveis que podem, em particular, levá-los a resistir, a opor-se às forças do campo” (BOURDIEU, 2004; p. 28), em poucas palavras, é uma grade de leitura pela qual o agente vê o mundo. Ou seja, é a maneira como ele vê, sente, vivencia a realidade, o mundo, a vida social. Além de ser um modo de perceber esta realidade, o habitus pode determinar os gostos, os desejos, as vontades, o modo de falar, de se vestir, e assim por diante. Enfim, o habitus é um conjunto de determinantes que orientam a nossa vida social.
No filme, por exemplo, além da frequência determinar quem terá mais sorte do que o outro, ela também determina a maneira que cada um se comporta frente aos outros; é só lembrarmos da feira de ciência, a cena na qual a câmera acompanha Zak e ele observa todos os outros em sua volta. Aqueles que possuem frequência parecidas, possuem comportamentos parecidos, gostos semelhantes; além disso, é muito mais provável um amor entre agentes de frequências próximas do que o amor impossível entre frequências distâncias. E aí que está a graça: o filme retrata exatamente este último exemplo!
Saindo da Sociologia e nos aproximando da Filosofia, temos Sartre e Nietzsche com importante contribuições para a interpretação do filme. Sartre, um dos principais representantes do existencialismo ateu, afirmava a existência de um sentimento chamado náusea. Caracterizado pelo vazio que surge quando percebemos que estamos sós em nossa própria existência, a náusea é um sentimento importante para Sartre: é a tomada de consciência de que a existência precede a essência[1]. Temos uma explicação clara de Sartre acerca deste sentimento:

Primeiramente, o que entendemos por angústia? O existencialista costuma declarar que o homem é angústia: isso significa o seguinte: o homem que se engaja e que se dá conta de que ele não é apenas o que escolher ser, mas é também um legislador que escolhe ao mesmo tempo o que será a humanidade inteira, não poderia furtar-se do sentimento de sua total e profunda responsabilidade. (SARTRE, 2014, p. 21) [grifo do autor]

Se o leitor substituir a palavra destacada por náusea, perceberá a interpretação do filme que podemos fazer: quando Marie e Zak tocam as mãos em um de seus encontros. A cena se passa em um restaurante, o universo começa a querer separá-los, mas eles insistem. O resultado é que Maria começa a sentir e diz é uma sensação estranha, como um peso. Sim, o peso da existência de Sartre. No começo do filme foi dito que pessoas de alta frequência não sentem nenhum tipo de sentimento e/ou emoção. Apenas vivem, ao sabor da sorte e o Universo. Pelo contrário, aqueles com frequências baixas, sentem o peso da existência. Sendo assim, eles compreendem a angústia que é ser responsável pelo que é e, além disso, ser responsável por toda a Humanidade – no caso do filme, para que a Natureza não desestabilize.
A contribuição da filosofia de Nietzsche está na personagem de Zak indo contra as regras já estabelecidas pela sociedade e tentando mudar sua frequência para poder ficar perto de Marie. Podemos associar essa quebra de valores com a ideia de que o ser humano teria a capacidade de criar novos valores, além do bem e do mal, desfazendo e refazendo avaliações e estabelecendo novas interpretações, ou seja, o chamado super-homem.
Em resumo, podemos relacionar os seguintes autores e conceitos: Durkheim e os fatos sociais; Bourdieu e o habitus; Sartre e a náusea; Nietzsche e o super-homem.

Referências

BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo: Editora UNESP, 2004.
GARCIA, José Roberto. Eureka: construindo cidadão reflexivos. Florianópolis: Sophos, 2007.
QUINTANEIRO, Tania. Um toque de clássicos: Marx, Durkheim e Weber. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.
SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.



[1] “Que significa aqui a existência precede a essência? Significa que o homem existe primeiro, se encontra, surge no mundo, e se define em seguida. Se o homem, na concepção do existencialismo, não é definível, é porque ele não é, inicialmente, nada. Ele apenas será alguma coisa posteriormente, e será aquilo que ele se tornar.” (SARTRE, 2014, p. 19)